Ontem eu escrevi um conto, ia postar aqui. Mas não vai dar. É que isso aqui não serve apenas para o exercício terapêutico de me desnudar. Serve também para me esconder. Creio que o mesmo vale para cada página escrita desde sempre. Às vezes é triste pensar que vivemos numa tensão entre dar-se e recolher-se, ocultar-se e anunciar-se. Mas é assim. Nos doamos pra nos proteger da solidão, que enrrudece a alma, que a torna árida e sombria. E nos retraímos pra nos proteger do mundo. O fato, e isso é inegociável, é que estamos sempre em fuga, como hamsters. E nesse caminho de pavor volta e meia somos supreendidos pela beleza e pela fúria, e contruímos a vida.
Sobre o conto cheguei a pensar que devia ser lido ao som de Sigur Rós, mas isso é uma besteira. Cada um sabe como constrói, dentro de si, o vínculo entre os sons e as palavras, assim como entre essas e as coisas. Mas é que Sigur Rós nunca me cansa, nunca deixa de me comover. Então as vezes me convenço de que se existe no mundo um som que seja paz e repouso e beleza diante de uma vida tão desnudada quanto possível e para além das palavras, isso seria Sigur Rós. Não seria exagero dizer, portanto, que essa banda faz minha vida melhor. É uma chuva abençoada sobre mim. Ela vem e, quando vai, meu coração é terra fértil. Não, não seria exagero dizer...
No mais, tenho lido um bocado sobre a ditadura e tenho frequentado arquivos em busca de material sobre o período do governo Mauro Borges. O documentário vai ficar bonitão.
E pra não dizer que os deixei sem literatura hoje, aqui vai um trecho de Cortazar, que há tempos penso em postar aqui:
"O médico acaba de nos tranquilizar. Sua voz grave e cordial precede os remédios, cuja receita ele escreve agora, sentado à mesa. De vez em quando levanta a cabeça e sorri, animando-nos. Não é nada demais e daqui a uma semana estaremos passando bem. Nos refestelamos no sofá, felizes, e olhamos distraidamente em volta. De repente, na penumbra debaixo da mesa, vemos as pernas do médico. Ele arregaçou as calças até as coxas e veste meias de mulher".
Julio Cortazar, "História de Cronópios e Famas", ao som de Sigur Rós, "Sorglega", do álbum "Takk"
6 Comments:
é um pena não ter postado o conto! eu queria vê-la morrer, despedaçada, jogada às paradas. fico na ansiedade agora.
ei! posso saber que fúria é essa? rsss de qualquer forma, ela não morria no final. estava morta desde o início. vc vai ver pequena.
eu quero é ver o oco!
e eu que sou o contrário? nao consigo deixar de me expôr. kkkkkkkkkk
"Às vezes é triste pensar que vivemos numa tensão entre dar-se e recolher-se, ocultar-se e anunciar-se"
E isso é metodológico?
rs... d qq forma ja sei q é essencial...
bjo enorme
rs Sim, é metodológico... fazer o q? Não há remédio. Qdo vc reconhece as palavras de alguém como reconheceria uma peça de roupa, "pelo cheiro", sem a necessidade de assinaturas, então esse macanismo está funcionando a todo vapor. Ou pelo menos deveria. Afinal, todo mundo quer chegar inteirinho no final né?
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