Um conto antigo
Eu já escrevi com mais frequência. Mas cresci um pouco e me tornei mais seletivo, daí escrevo menos. Mas às vezes acho um texto antigo que me arranca um sorriso cúmplice. O conto que segue abaixo foi escrito num dia de reveillon há mais de 3 anos. Está cheio de coisas que eliminei da minha escrita, principalmente aquele olhar excessivamente melancólico, imbuído de um pessimismo juvenil que se mostrou, com o passar do tempo, um elemento suicida e, em geral, uma manifestação de afetação e mau-gosto. Mas é um texto honesto e, creio eu, bem escrito. Então achei que valia a pena. Taí, sem título, como a maioria dos meus textos. Chame-o como quiserem.
Está certo, está certo... Talvez você tenha mesmo razão e esta seja a última canção. É que, você há de me perdoar, não é fácil acreditar nisso de uma canção depois da qual não se ouvirá mais nenhum acorde. Nossos corações não estão preparados para isso. O meu não está. No fundo obrigamo-nos a acreditar em outra coisa, não importa quão absurda seja. Ouvimos aquele chiar de cordas velhas, de um piano que já não é afinado como antes e de um bandolim ao som do qual moças e rapazes dançaram outrora ébrios da mais simples e ingênua alegria, a de sentir-se amigos das possibilidades, e percebemos a mudança de timbre. Mas escondemos nossos medos atrás de sorrisos agonizantes, como num pacto.
Porque houve um tempo, e parece que foi ontem, em que os dias eram nossos, em que crianças olhavam para o alto, boquiabertas, enquanto os fogos bordavam no céu uma seqüência de quatro números, e as pessoas gritavam em êxtase, desejando felicidade uns aos outros, esperando uma vida um pouco melhor neste ano novo que se insinuava. Enquanto isso o mundo rodava e tudo, absolutamente tudo, acontecia ao som destas cordas agora frágeis e sem brilho. Eram acordes que não acabavam mais. E durante todo esse tempo nós não paramos de dançar, nem por um segundo, mesmo enquanto nossos ossos doíam, mesmo quando cortaram nossas pernas, nós continuamos a agitar os braços ou apenas a tamborilar os dedos, para que ficasse claro que aquela música ainda era nossa, que ainda estávamos no baile e a noite nos pertencia. Não nos expulsariam assim do nosso próprio mundo sem que sequer lutássemos, sem que nossa humilhação alcançasse os céus, um abismo de indignidade a nos separar dos mais caros de nossos desejos.
“Feliz ano novo!” e o estalo de um beijo no rosto. E qualquer um se espantaria com o brilho dos próprios olhos diante do espelho ao perceber o emaranhado de vísceras e palavras e alma e tudo o que há de bonito nessa vida e de todo o medo e sede de amor, tudo contido nessas palavras: “Feliz ano novo!” Mas talvez você tenha razão. Talvez esta escacês de acordes seja o fim chegando. E quando não houver mais ruídos sobre nossa vergonha, quando ela se mostrar nua e transparente, quando nossas palavras se revelarem de um tolice oceânica e a nossa culpa for visível à toda terra, então...
6 Comments:
“E quando não houver mais ruídos sobre nossa vergonha, quando ela se mostrar nua e transparente, quando nossas palavras se revelarem de um tolice oceânica e a nossa culpa for visível à toda terra, então...” a primeira paz terá passado, como tudo passa na vida. E a luta pela segunda se iniciará, c/ menos modéstia do que deveria, porque ao fim, é quase certeza serem achados apenas ecos dos tempos azuis, o que, p/ além da ganância de vida, basta.
(Então, um post não tão “massa”, p/ as más línguas que me acusam de não escrever aqui.)
Bjoca, Manoel.
ah, sério, não entendi muito bem o porque de eliminar algumas coisas da escrita.isso sempre nos mostra que a gente foi...em fim, não tô sabendo explicar com exatidão, mas gosto de quem escreveu isso ha mais de 3 anos atraz.
tudo de bom pra você.
Ah Poly, eu queria saber o que vc tem nesses olhinhos. Sempre vê tanta coisa... tão bonitas suas imagens rs... sim Poly, a primeira paz se foi, e a luta pela segunda é, em certa medida, imprevisível. mesmo assim descobrimos um jeito de ficar calmos, de educar o olhar e o olfato, de perseguir a vida, não com ganância, mas com uma débil devoção.
"ganância de vida", foi ótimo rs Essa ganância seria um pecado perdoado se, ao final, não nos custasse a própria vida, apesar de todas as boas intenções rss...
e, Iza, que bom que vc gostou desse sujeito de 3 anos atrás. eu não sei bem quem é... rs Observo como que de longe, entendo pouco, mas é bom de ver. Apenas não sou mais eu. Por isso precisei estirpar algumas coisas da escrita hoje... acontece de ter que amputar-se, pq não se aprecia mais uma parte de si. e, as vezes, tudo fica calmo.
obrigado.
não tive a mesma sorte que voce em pegar a epoca em que as crianças olhavam para o céu, com os brilhos nos olhos, para os quatro estralos. entao ficarei calada.
tenho uma sugestão:
que tal andar de bike?
que tal ir para a bicicletada.
que tal ir de bicicleta para o campus nos visitar ;)
hmm
que tal deixar o ócio de lado? hmm o ócio.
tá, boa sorte aí no projeto. um dia dou um pulo (e levo a nayara, claro.) pra dar uma olhada nos seus escritos pro doc.
beijocas.
Menina Narrira, eu não entendi muito bem o pq de suas sugestões, mas vou supor que tem a ver com todo esse papo de cultivar uma boa saúde e tal e tal rssss
Eu não gosto muito de bicicletas, que dirá de bicicletadas. rs
Enfim, apareça mesmoo com a menina Nayara. E esteja na primeira fila, daqui alguns meses, na gloriosa estréia do doc (que, diga-se, somado ao mestrado tem me deixado pouco do "ócio" tão necessário à vida rs).
bjus.
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