09 agosto 2006

O c.m.i. (centro de mídia independente) tem um slogan muito bacana: "Odeia a mídia? Torne-se a mídia!" Eu acho que a tortura de inocentes e a literatura de auto-ajuda são duas das coisas mais abomináveis que já se inventaram. Pois bem. Eu decidi fazer minhas próprias considerações no sentido de ajudar o meu próximo a encontrar o caminho pra uma vida mais leve, mais bonita, mais rosa e com uma música do Kenny G. ao fundo. Tá aqui o meu primeiro texto de auto-ajuda. Sejam felizes!


***

Eu moro sozinho, mas mesmo assim costumo passar as tardes numa biblioteca. Não é que eu não goste do meu ap à tarde. Ele é tão cúmplice, como não amá-lo? Mas é que eu preciso de silêncio pra ler. Não havendo eu leio mesmo assim, mas se poss0 escolher fujo do barulho dos carros em direção à biblioteca. Morar sozinho é uma coisa deliciosa, mas pode mexer muito com a sua personalidade, ou com seu humor. Eu, por exemplo, ando cada vez mais sistemático e reservado. Mas é bom. É uma auto-delimitação bastante confortável.

Pois então: hoje foi dia de comprar livros. E são sempre tão simpáticos e festivos os dias de comprar livros! Comprei Weber, Ana Cristina Cesar e Amós Oz (um romancista israelense, radicalmente anti-sionista, que está há algum tempo na lista dos meus favoritos). E fui pra biblioteca.

Ai, a A.C.C. é de uma sensualidade tão dolorida! Tão sensível e ao mesmo tempo de vínculos tão frágeis com a vida... Pois estava eu a ler uma carta dela quando me pus a pensar que há, basicamente, três modos de viver a vida. Um deles é traçar planos, metas existenciais, acerca daquilo que se quer viver, daquilo que se quer ser, e persegui-las com fúria e método. Na minha humilde opinião esse caminho conduz à loucura. Pode até ser uma loucura mansa, mas há de enlouquecer quem encasquetar de atender à risca a um ideal de vida, de si mesmo, de morte que seja, há de enlouqucer alguém assim. É simplificar demais a si mesmo e à vida. Um outro jeito, que se localiza no extremo oposto, é viver sempre imerso na inquietude de não conseguir se delimitar minimamente, de nunca saber o que se quer, de estar sempre perdido em si mesmo. Nada mais recorrente. Mas isso, a certa altura, também enlouquece. Os vínculos com o mundo vão ficando cada vez mais frágeis, uma vez que cada vez mais desprovidos de sentido. Sofre-se horrores. Mas há um terceiro modo, que se situa entre ambos, pelo qual passei a nutrir certa simpatia. Exige certa resignação, certa modéstia da alma, mas também certa disciplina contra a crueldade. Cultivar sonhos menos precisos, ser mais generoso com as contigências e, em certo sentido, endurecer um pouco o coração. Aprender a cultivar um paladar menos melindroso. A disciplina tem a ver com o fato de que uma vida assim talvez exija um pé sempre um pouco atrás e isso pode deixar a gente amargo. E daí é muito fácil nos tornarmos cruéis. Talvez corações cançados tenham uma ligeira propensão à crueldade... O fato é que poucas coisas me assustam tanto quanto a nossa capacidade de ser cruéis.

Que essa minha fórmula é uma receita de como se proteger dos efeitos nefastos da frustração, é óbvio. Que seu alcance é bastante limitado deve ser igualmente óbvio. Mas ainda assim me parece a melhor opção. É se entregar um pouco mais à vida e, talvez, tornar-se um pouco mais generoso com os outros e consigo mesmo. Como conseguir isso é o que não ouso prescrever. Imagino que a constituição psicológica e emocional de cada um impõe sérias limitações ao tipo de vida que se quer viver. Mas minha esperança é que isso nos torne mais aptos não apenas à beleza, mas também à miséira. Porque nós chegaremos lá, isso é certo. E eu não consigo pensar na vida sem essa preocupação: quero me proteger da crueldade. Quando a dor chegar, horrenda e inegociável, embaralhando o fôlego e os pensamentos, gostaria de me preservar. Mas não sendo possível, que ao menos eu destrua poucas coisas ao meu redor. Uma porção de resignação, sempre. Pra proteger o coração. No limite, resignação é força, é uma forma de ser cruel com nossas próprias carências, com o desejo por vezes imprudente de que a vida seja outra. Ou você imagina algo mais capaz de nos proteger do desespero? Eu não.

12 Comments:

At 9:41 PM, Anonymous Anônimo said...

a poesia nos protege do desespero.

 
At 9:58 PM, Blogger mundosdevidro said...

Sem dúvida. Para alguns é a maior das proteções. Mas às vezes é preciso resignação pra se proteger da arte também. Ou a arte também não pode levar ao desespero? rs De qualquer forma aqui tem túmulo qualquer forma de niilismo fatalista que, afinal, não é apenas ingênuo mas tbd e um terrível mal-gosto.

 
At 9:51 PM, Anonymous Anônimo said...

Eu juro que li até o final. Cadê o Kenny G.?

 
At 11:27 AM, Blogger mundosdevidro said...

hehehehe pois é...

vai ter que se virar com Sravinsky ou algo do tipo rs

Tenta Portishead rs

 
At 12:40 PM, Anonymous Anônimo said...

Hum... tens certeza da parte do "anti-sionista"? Confere.

Pespia

 
At 5:04 PM, Blogger Dheyne de Souza said...

voce ja pode abrir um consultorio.

Visita meu blog, www.incontinenciapoetica.blogspot.com
postei um texto que queria que lesse, fala de Calma, é um texto antes do post em que eu constato que o paraíso é o sótão do inferno.

abraços

Dheyne.

 
At 12:30 PM, Blogger Sam said...

Ars exist ne veritas nos destruat !

Inegociável!

 
At 12:34 PM, Anonymous Anônimo said...

mas que coisa, aí também tem carro? :-P

nada como uma boa biblioteca. pra além do barulho, não tem telefone, internet, campainha, passarinho (lá em casa sempre tem uma meia dúzia deles no jardim), cafezinho, nada que desconcentre.

(exceto, é claro, casos em que o colega da frente tá já quase tuberculoso e em vez de ir tossir no médico, resolve ler na biblioteca).

(engraçado como com a própria tosse a gente não se distrai tanto assim. bom, pelo menos eu não).

fazendo muitos planos, é? conta pra gente! rs.

beijo.

 
At 12:35 PM, Anonymous Anônimo said...

((até onde eu sei, o amós oz sempre defendeu a paz, deu um escorregão ao defender israel na guerra contra o líbano, mas logo voltou atrás)).

 
At 7:57 PM, Blogger mundosdevidro said...

sem muitos planos. apenas música, livros e algumas pessoas.

sobre o amos oz é exatamente isso.. mas pra Pespia isso pode se enquadrar numa espécie de "sionismo de esquerda". Isso nunca tinha me ocorrido, mas achei interessante...


ps: pássaros no jardim? se mudou? vc não morava no enésimo andar? enfim

beijos

 
At 9:21 PM, Anonymous Anônimo said...

continuo no enésimo andar, é que os pássaros aqui voam alto.

(quem sabe num esforço de ultrapassar a camada de poeira acizentada dessa cidade - que eu amo tanto).

te espero aqui, hein?

beijo.

 
At 9:41 PM, Anonymous Anônimo said...

Gostei do do slogan da CMI!!! Penso assim também...façamos nós a mídia!!

 

Postar um comentário

<< Home