29 maio 2006

De como escrever aquela música que você gostaria de ter escrito mas que, infelizmente, já existe ou De como fazer especulações estético-ontológicas feito um zumbi até às 04:15 da manhã.

Em 1913 morreu Cyrus Jones, que havia feito seus bisnetos acreditarem que era possível viver até os 103. Mas quando se é uma criança 103 anos são uma eternidade. Portanto Cyrus Jones, que havia nascido em 1810, viveu por toda a eternidade.

Em 1903 nasceu Muriel Stonewall, que perdeu os dois filhos na Segunda Guerra. Agora, veja bem, ninguém deveria ver os próprios filhos estirados no chão, digo, ninguém deveria enterrar seus únicos dois filhos de uma vez. Muriel Stonewall morreu em 1954.

Em 1967 nasceu o pequeno Mikey Carson, que correu feito o diabo em sua bicicleta ate o dia em que morreu, em 1975. Quando crescer quer ser o Sr. "Vertigo" em seu trapézio voador.

Que seja rasa a minha cova. Para que eu possa sentir a chuva.



Esse texto consiste numa tradução livre (e diletante) que fiz da música Gravedigger, do álbum Some Devil, do (genial) Dave Matthews. Nunca havia realmente prestado atenção nela, apesar de conhecer a música há bastante tempo. Apenas uma frase sempre me chamou muito a atenção, de modo que a guardei na memória: "she lost both of her babies in the second great war". Hoje decidi lê-la inteira.

Eu não sei com vocês, mas comigo acontece, às vezes, de uma música não me deixar dormir. Eu, que não tenho insônia, fiquei horas envolvido pelo teor altamente imagético da canção, mesmo enquanto fazia outras coisas que não examinar obsessivamente a letra destrinchando seu desenvolvimento, sua mobilidade e dramaticidade crescentes. Percebi logo que seria um desperdício uma tradução literal, então adaptei algumas coisas, limitando-me ao aspecto formal, evidentemente.

Essas histórias curtíssimas, até certo ponto ordinárias, foram algumas das coisas mais bonitas que li nos último tempos. Eu poderia até explicar o porquê. E vocês poderiam até entender. Mas não ia adiantar. Trata-se dessa experiência que parece trazer em si a marca indelével da modernidade: o prazer estético - remetendo o termo aqui especificamente à arte - envolto nesse tipo peculiar de solidão que é a solidão urbana, à qual estamos todos condenados em alguma medida. O êxtase artístico deve mesmo ser algo mais modesto para nós do que para aquelas gerações que não tinham outra alternativa para gozar a Nona de Bethoven que não se dirigir ao concerto mais próximo, ou seja, a um evento essencialmente coletivo - se é que há, nesse sentido, eventos individuais. Mas nessa modéstia parece residir também certa glória que talvez não caiba a outras gerações: é que para nós, os filhos do tempo que se vai, o prazer estético parece situar-se sempre num ponto de convergência entre o que entendemos como mais sublime e o que sabemos ser o mais ordinário, como se esses dois "níveis" se condenassem e se redimissem incessantemente.

Talvez no fim, digo, na cabeça de cada um que se encontrar diante do próprio fim com tempo o bastante pra pensar na vida que se vai, um desses níveis há de prevalecer. A resposta à pergunta sobre qual seria no caso de cada um de nós equivale à resposta a uma outra pergunta, sobre se conseguiremos ou não morrer em paz. Embora acabe de me ocorrer que não deve ter havido sorte que tenha excedido uma síntese desse dois níveis: o sublime e o ordinário se iluminando mutuamente. A mesma lógica que agora a pouco eu atribuí à vida. Porque se nos ativermos ao aspecto essencialmente orgânico da morte não podemos supor que o sublime possa triunfar isoladamente. A "paz na morte" deve ser algo como a sensação de uma precariedade redimida.

Por Deus, eu preciso dormir.

2 Comments:

At 11:35 PM, Anonymous Anônimo said...

arrependimentos meus surgem? pensar na vida que se vai...

bons sonhos, em paz. mas acorde.

 
At 10:20 AM, Anonymous Anônimo said...

Bonjorno, mundosdevidro.blogspot.com!
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