07 abril 2006

Infelizmente os dois últimos livros do Alessandro Baricco ainda não foram traduzidos no Brasil. Mas, como já disse em outro lugar, o penúltimo deles saiu em Portugal e a fofa da Giovanna trouxe pra mim. Chama-se "Sem Sangue". Uma pequena novela de 85 páginas. Belíssima. Abaixo segue um trecho.

"Então pensou que, por incompreensível que a vida seja, provavelmente a atravessamos com o único desejo de regressar ao inferno que nos gerou, e habitar ao lado de quem, uma vez, nos salvou desse inferno. Tentou perguntar a si mesma de onde vinha aquela absurda fidelidade ao horror, mas descobriu que não tinha respostas. Entendia apenas que nada é mais forte que esse instinto de voltarmos onde nos fizeram em pedaços, e de repetir esse instante ao longo dos anos. Pensando apenas que quem nos salvou uma vez o poderá depois fazer sempre. Num longo inferno indêntico àquele de onde viemos. Mas subitamente clemente. E sem sangue."

De minha parte, custo a crer que o Messias venha uma vez que seja. Que dirá duas. Mas não deixa de ser uma esperança belíssima. Mesmo que seja somente poesia. Um jeito bonito de tocar feridas antigas, sem diminuir o passo que avança, avança e avança, sem saber exatamente pra onde. Não era isso que imaginávamos, quando éramos ainda mais jovens que hoje, e usávamos a expressão "está tudo bem". Mas agora é. Temos corações mais modestos agora. Não estavam de todo enganados, os antigos, quando falavam sobre o poder do tempo.

2 Comments:

At 2:25 AM, Anonymous Anônimo said...

"Mesmo que seja somente poesia. Um jeito bonito de tocar feridas antigas, sem diminuir o passo que avança, avança e avança, sem saber exatamente pra onde."É de fato bonito q possa ser assim...e ser assim com vc entao é bastante especial. Vou te confessar: na leitura do livro,foi nesse trecho q a sua lembrança me abarcou.Por alguns instantes seu inferno ficou tao latente pra mim... não as dores q dele provem...mas sim aquilo q vc tem feito dele, a imagem q tenho d cm vc o tem tratado.Coisa bonita isso.

O instinto de voltar onde nos fizeram em pedaços é fortissimo...mas nao é nada q nao possa ser superado. E sim, há mesmo um certo poder no tempo o q faz dele um aliado...mas só um aliado, pq o principal depende mesmo é da gente!

Com todo Carinho q vc já conhece de côr!

 
At 10:36 AM, Blogger Polysbela said...

O trecho transcrito por vc é fortíssimo... enfim, sem comentários sobre as últimas e encantadoras linhas do livro. Quero falar de outro fragmento. A fotografia que se forma quando do primeiro encontro entre Tito e Nina, no alçapão, é tão exata e clara, que me causou inúmeros sorrisos confirmar a experiência acontecida, através do pensamento dele (Tito), durante o segundo encontro, em que teoriza o que sentiu:

“Gostaria de lhe explicar exatamente essa sensação, mas sabia que a palavra paz não bastava para descrever o que lhe acontecera, e por outro lado não lhe ocorria ao espírito outra coisa, a não ser talvez a idéia de que fora como encontrar-se diante de algo infinitamente consumado.”

Infinitamente consumado. Era precisamente essa idéia a habitar o (meu) espírito desde a leitura do encontro inicial entre eles... formidável.

 

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