08 dezembro 2006

Sobre Amós Oz, Israel, os que se perdem e os profetas. E sobre literatura.

Amós Oz é um autor israelense, de quem gosto muito. Li dois de seus livros e estou lendo o terceiro, Meu Michel. Meu favorito é A Caixa Preta. Sempre achei o título um grande achado: trata-se da história de um amor fracassado. Segue o meu trecho favorito, parte de uma carta de Ilana ao seu marido Michael Sommo, à qual ela assina como Sua Mãe. Ela sabia que a maternidade, a paternidade e mesmo a orfandade, são dimensões presentes numa relação erótica.

"Algum brincalhão disfarçado infiltrou-se e nos fez detestar o que tínhamos descoberto. Destruiu o que era precioso, e que não voltará. Nos atraiu com um fogo-fátuo, até que atolamos num pântano e a escuridão desceu sobre nós. Você lembrará de mim em suas orações? Por favor, diga em meu nome que esperamos misericórdia. Diga em suas orações que a solidão, o desejo e a saudade são mais do que conseguimos suportar. E sem eles perecemos no caminho. Diga que tentamos receber e dar amor, mas nos perdemos no caminho. Diga que não nos esqueçam e que continuamos a cintilar na escuridão. Tente esclarecer como podemos sair. E onde fica aquela terra prometida."

Sobre Israel ele diz:

"Durante o dia Israel faz um imenso esforço para parecer uma sociedade determinada, valente, pronta a reagir. [...] De noite Israel é um campo de refugiados, com mais pesadelos por metro quadrado do que qualquer outro lugar do mundo, eu acho. Ali quase todo mundo já viu o diabo."

A descrição que Amós Oz faz de Israel poderia ser perfeitamente aplicada à quase todos nós. Não é exclusividade dos israelenses, ver o diabo. De minha parte, penso que a literatura não faz promessas. Pode salvar, mas não há do que acusá-la se não o fizer. Na Bíblia há sacrifícios que não podiam ser oferecidos em público. Apenas determinados sacerdotes podiam ofertá-los no interior do templo. Em um dos tornozelos era amarrada uma corda, pela qual deveriam ser puxados, caso fossem fulminados pela presença divina, implacável em sua justiça, intolerante a qualquer impureza. A literatura acolhe tais profetas.

1 Comments:

At 2:07 AM, Blogger Anneli Nobre said...

Olá!
Acabei de ler A Caixa-Preta, e posso afirmar sem dúvidas de que é o livro mais fantástico que eu já pude ler! Essa citação da carta de Ilana é minha parte favorita também, levando em conta o lado da reflexão poética da psique humana num momento de aceitação de sua própria impotência, e Amós Oz o faz de uma maneira maravilhosa!
Mas uma parte que realmente me deixou fascinada foi a que há uma apresentação de alguns pensamentos de Alex sobre o "eu" e a tentativa de reproduzir um passado aparentemente glorioso e aprazível sobre o futuro, anulando o presente, e realmente é o que nós constantemente consciente, ou inconscientemente fazemos..
Achei muito coerente o comentário feito por você a respeito das citações, parabéns!

 

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