11 janeiro 2007

As aventuras e desventuras do roqueiro-da-triste-figura numa micareta inesperada - Pt 2: rumo ao calvário.

Já na estrada passamos por um outdoor imenso que dizia Nerildo e Nerivan, SUCESSO EM TODO BRASIL. E eu penso, que estranho, ninguém nunca viu esses caras, num show, na tv, no rádio, um fã, nada! Você já viu um fã de Nerildo e Nerivan? Pois é, mas o outdoor diz que eles fazem sucesso em todo o Brasil. Estranho.

Paramos pra abastecer e tive um nova idéia. Corro pro orelhão ao lado da loja de conveniência enquanto o frentista enche o tanque e meu tio compra um punhado de long necks.
– Alô, Mika?
– Putz, bom cê ligar! Tenho que te contar uma coisa.
– Beleza cara, mas vai ter que ficar pra depois, tô precisando de um favor seu e tenho pouco tempo pra falar.
– Não, cê tem que saber, é sobre o Luciano. Eu fiquei sabendo que...
– Ah não Mika, esse papo de zoofilia de novo não. Eu sei, é engraçado, mas agora não dá. Tô precisando da sua ajuda, me escuta.
– Mas é que...
– Mika, eu sei que tu conhece um monte de músicos profisisonais. Preciso que você entre em contato com alguém da organização de um bloco de carnaval de Caldas. Você deve conhecer alguém. Tem que ser uma pessoa que saiba dos detalhes, entende? Porque meu tio vai querer se certificar.
E, pela primeira vez, parece que ele tá me ouvindo.
– Seu tio?
– Sim, é uma longa história. Preciso que você faça alguém da organização desse bloco ligar pra ele dizendo que aconteceu alguma coisa, sei lá, inventa, mas que o bloco não vai poder entrar na festa, pifou, morreu alguém, não sei, pensaê.
Sim, eu tava pirando. Claro que meu tio ia querer ser ressarcido e que ia descobrir a coisa toda. Mas na hora não pensei nisso. E nem tive tempo de cair em mim, porque, do outro lado da linha, o Mika já se acabava de rir.
– Então quer dizer que cê tá indo pro carnaval de Caldas? Hhahahahahahaha. Eu não acredito. E o Metallica que é poser, né? Hahahahahahahaha.
– Mika, é serio. Eu já tô na estrada e preciso desligar. Dá pra fazer isso pra mim?

Com uma voz ainda meio risonha, ele diz: – Nao dá cara, não conheço ninguém da organização. Mas vai ser bom pra você ver alguns músicos profissionais, muito competentes por sinal, melhores que essas porcarias HC que você escuta! – E dá-lhe o Mika se desmanchando de rir novamente. Ele nunca conseguiu entender como eu podia gostar de Dream Theater e D.R.I. ou Madball ao mesmo tempo. E não é que eu tivesse problemas com isso mas, ali, naquela hora, enquanto via meu tio acomodar long necks na caixa de isopor no banco de trás, enquanto me sentia acuado feito um animal em fuga, fui acometido de um desespero que assumiu a forma da violência. Eu precisava descarregar em alguém. E quem tava ali, do outro lado da linha, era o Mika, portanto, segurou o rojão:

– Quer saber, Mika? Vai pro inferno, cara! FUI EU QUEM POSTOU AQUELE POST ANÔNIMO DIZENDO QUE VOCÊ USA PERUCA!
Era mentira, claro. Eu sabia da história, mas nunca tinha comentado com niguém. Mas estava puto, muito puto, possesso mesmo, e não ia parar. Segui mentindo só pra me vingar, não exatamente dele, mas da situação absurda na qual tinha entrado.
– Eu sei que, nos anos 80, quando você descobriu o Van Halen, fez uma química sinistra no cabelo pra ficar parecendo o Dave Lee Roth e amanheceu careca no dia seguinte. E mais: sei que tu é o Ranulfo também! (fake da comunidade Goiânia Rock City no orkut) – Mas isso até minha mãe sabia.
Desligo o telefone sabendo que me arrependeria do que disse, que teria que pedir desculpas a ele depois. Mas naquela hora era o que eu precisava, por isso, entro no carro mais aliviado e abro a longe neck que Tio Geraldo me passa.
– Vi pelos seus gestos que a conversa tava tensa.
Eu guardo silêncio e ele me dá a deixa de que preciso:
– Mulher, né? Mulher é fogo.
– É... é fogo.
– Mas vâmo que vâmo que tem muita farra esperando a gente. Tu não vai ficar nessa tristeza não porque o sistema hoje é bruto!

Meu tio passa a mão nos meus cabelos pra, logo em seguida, fazer o sinal de “metaaaal” com a mão direita. Que figura, penso eu, que figura.
Chegando no hotel jogamos as coisas sobre a cama e meu tio diz: deixa tudo aí, pega só sua sunga e bora tomar uma cerveja na piscina de água quente!
Sunga? Tento explicar a ele porque não uso sunga, de um modo que não denigra minha imagem de homem viril. Mas ele não percebe meu constrangimento e arremata: – Ah, mas quando eu era da tua idade também era seco feito um palito, olha só no que deu! – E bate na barriga farta, todo orgulhoso.

Pois bem, cervejas em punho entramos na piscina morna. Mas eu, já completamente tomado pela paranóia, começando a perder minha sanidade, não consegui me sentir à vontade porque tinha a impressão de que todo mundo havia mijado na água. Então, já que tinha entregue meu destino aos céus – ou ao inferno – achei que o melhor era tirar sarro da cara do capeta. Pedi pro meu tio contar uma piada. Pra quê. Se sóbrio já fazia um estrago enorme, bêbado ficou impossível. E dá-lhe nós dois rindo feito dementes, chamando a atenção de todo mundo, sem darmos a mínima importância. No fim da tarde eu, que já começava a sentir as cólicas do riso, pedi clemência quando ele contou “a do pintinho doido”.
– Sabe a do pintinho doido?
Eu ainda enxugando os olhos da última: – Não, não sei.
Ele: – Miaaaaaauuuuuuuu.

Foi o meu fim. Contando assim você pode até não achar graça. Mas eu sofria de tanto rir. Porra, tem coisa mais lunática que um pintinho que mia? Tinha que ter pirado mesmo. E, pelo jeito, não só ele.

Sugeri que comêssemos alguma coisa e dormíssimeos um pouco, “pra nos preparar pro show da noite”. É claro que não vou mencionar o nome da banda que iria tocar. Já chega a humilhação que foi até aqui. Basta vocês saberem – e isso não é difícil de deduzir –
que era uma banda de axé.

Mas eu tinha um plano desde a metade da tarde. A idéia era: embebedar meu tio –
e eu junto com ele, claro – de forma que, deitando pra um “cochilo”, por volta das oito, ele só acordasse no dia seguinte. Com essa esperança, adormeci, já meio bêbado e com o estômago forrado por churrasquinhos que havíamos comido.

Por volta das onze acordo com uma luz verde na minha cara e penso: pronto, acabou; o capeta me livrou, em nome dos meus vários anos de devoção ao Slayer, ao Immortal e ao Mayhen, e me levou direto pro inferno, sem precisar fazer escala nos trio-elétricos. Agora vamos ser eu e o Dimebag Darrel tomando uísque com umas diabinhas gostosas por toda a eternidade ao som de Walk (ou de Cowboys from Hell, pra não contrariar o clichê) – e o Ruy acrescentaria: sapecando um nervo e dando uns pega nas demônia!

Mas não era o capeta, e sim Tio Geraldo, com uma daquelas lanterninhas coloridas que há muito tempo se usava em raves - era pedir demais que estivesse atualizado, né? Quando tira a lanterna da minha cara e acende a luz do quarto posso vê-lo de pé, no centro do quarto e – veja bem, você não precisa continuar lendo isso aqui, eu até agradeceria se parasse, ok? –, vocês devem imaginar, estava por assim dizer, digamos... enfim, estava de abadá. Jogou na minha cara meu abadá e minha lanterna. Liguei e fiquei olhando hipnotizado pra luz vermelha.

– Eu de verde, você de vermelho! É o fluminense na night!

Havia me esquecido. Tio Geraldo é tricolor. Na infância tínhamos rusgas homéricas discutindo a paixão pelos times. (Sou vascaíno com orgulho!) E eu nunca pensei que um dia fosse achar seu amor pelo Fluminense o melhor de seus defeitos. Preferiria mil vezes sentar do seu lado, num Maracanã lotado, e ficar mudo de tanto gritar “vai, tricolor!”, do que encarar o destino que me esperava. Mas não era mais hora de fugir. Por um instante pensei em “passar mal”, simular um desmaio, diarréia, crise de epilepsia – teria soado suspeito, não há casos na família –, qualquer coisa. Mas os olhos vivazes de Tio Geraldo, sua expectativa, e a certeza que parecia ter de que estava me proporcionando os dias mais divertidos da minha vida, me impediram. Pensei que era justo assim. Ele me dava suas piadas, que eu não encontraria em lugar nenhum do mundo e eu, como forma de gratidão (mas, por Deus, não haveria outro jeito de demonstrar gratidão?), vestia o abadá. E foi assim. Acreditem, não é fácil confessar isso desse modo, mas a verdade é que... eu vesti o abadá. É isso aí, vesti mesmo. Você pode se acabar de rir aí enquanto lê isso, mas eu não tinha alternativa. Vesti e pronto. E pra alimentar a diversão cruel de vocês eu conto: era rosa. Rosa fluorescente. Nas costas uma marca de cerveja e, na frente, o nome do bloco, que eu não contaria aqui “nem que vocês me amarrassem à uma ogiva nuclear e me lançassem sobre uma ilha japonesa”.

Fechei a porta do quarto como quem fecha atrás de si a última porta da esperança (passar a noite assistindo antigos programas do Sílvio seria a glória) e, de longe, já pude ouvir o fusuê do trio-elétrico. Então olhei pro céu, era noite sem nuvens, um negrume límpido e abundante pairava no céu sobre minha cabeça quando, de cabeça baixa, como que numa prece, fiz um pacto comigo mesmo: “Ok, você vestiu um abadá. Você tirou foto com seu tio, ambos fazendo ‘metal’ com os dedos, e agora tem nas mãos uma lanterna de luz vermelha – meu Deus, pra quê?. Mas seja honesto consigo mesmo, não se engane, se ‘jogar a mãozinha pro alto’, vai ter que se matar”. Eu sabia que não conseguiria olhar meu rosto no espelho no dia seguinte se fizesse uma coisa dessas. Em nome da flying-v de Randy Roads, em nome de Ozzy comendo morcegos e do Kiss esmagando pintinhos, em nome do vocal furioso do Phil Anselmo, da bateria vulcânica do Dave Lombardo e da demência do Mike Patton; em nome do baixo cavalgado do Steve Harris e do alarme anti-incêndio que era a voz do Bruce Dickinson, por favor: jogar a mãozinha pro alto, NÃO! Prometido isso a mim mesmo, acendi minha lanterninha e segui Tio Geraldo, que insistia: íamos “tocar o terror”. Poucos passos no separavam do trio elétrico e o fluxo de pessoas era intenso. Todas animadíssimas, claro. Você deve supor, era o início do fim.

(continua...)
Obrigado Daniel, pela revisão.

6 Comments:

At 9:06 PM, Anonymous Anônimo said...

tá bom demais isso!

vô me aabar de rir!

 
At 9:42 PM, Blogger `´é`´ said...

mas e ai vestiu a sunga? o abadá nem é la essas coisas perto daa sunga =)

a estoria tah boa meu caro, sera que a maozinha vai levantar?

 
At 1:30 AM, Anonymous Anônimo said...

anda logo postqa om resto que tá divertido o negócio

 
At 4:06 PM, Anonymous Anônimo said...

Ta massa pacarai, só ficou evidente que vc não conhece as cores do tricolor carioca. A do pintinho doido foi apelação.

 
At 4:12 PM, Blogger mundosdevidro said...

Ué, até onde sei as cores do Fluminense são vermelho, verde e branco. As lanterninhas são de luz vermelha e verde.

 
At 4:49 AM, Anonymous Anônimo said...

de homeopatia a alopatia "braba".
Não sei se aguento mais um capítulo sem pensar na possibilidade de te sequestrar, rs.

 

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