22 dezembro 2005

É um barulhinho que quase não se nota, mas são pedaços de você caindo lá no fundo da sua almai, se desprendendo para sempre de você. E é por isso que essa dor gera um sorriso pouco maior que o da monalisa: é você morrendo um pouco, mas renascendo também. Por isso que seus olhos estão semicerrados e seu coração assiste a tudo imóvel, heróico. É um pacto o que há entre vocês, não? Ele não cessa de bater e você faz sua parte: mantem firmes as pernas, os dentes rigorosamente firmes uns contra os outros. Se prometeram não morrer, e você não vai se acovardar agora só porque há um mundo desabando. Você sabe, não é tão mal assim... Você tem dentro de si alguns vilarejos batsante simpáticos. Pois bem: vai caminhar lentamente até um deles e procurar por um recém-nascido. Quando o encontrar pedirá licença à mãe, o tomará em seus braços e o erguerá. Olhando nos seus olhos ainda tão descansados, dirá: força! Sempre.

21 dezembro 2005

cores

Algum tempo já se passou, mas as perguntas continuam basicamente as mesmas. Amadurecidas pelo tempo, é claro, e tingidas com novas cores. Mas as tonalidades são as mesmas: uma porção de cinzas, todas as cores frias que me trazem certa calma e a sensação de estar em casa. Mas hoje há muito mais branco do que antes. Creio que minha aquarela tornou-se mais leve, menos cansativa aos olhos. E eu deixei de odiar as cores que não são minhas. Quer saber? O vermelho e o amarelo ficam até bonitinhos aí pelo mundo. E tudo por causa do branco que dilui minhas cores e minhas tristezas.
Em certo sentido acho que estive sempre certo: a vida é uma questão de força. E a certeza de que essa força não precisa ser bruta, de que, aliás, não há como ser, pois é precária do início ao fim, e ainda assim é a única força que nos resta, essa certeza é o branco da minha aquarela. O que mudou, talvez, tenha sido aquele ímpeto desesperado de ser maior que a vida, de se colocar, a qualquer preço, num lugar absolutamente seguro. Essa renúncia da vida...
O jogo, me parece, será sempre o mesmo: a vida imensa e veloz, com a força de mil gigantes e, no meio dela, "o frágil e minúsculo corpo humano". E, ao meu ver, nosso único recurso, a única rebeldia possível, continua sendo esse gesto patético e belíssimo a que chamamos, de uma forma ou de outra, de amor.
Eu não sei... é bem provável que sejamos destroçados ao longo do caminho (embora, felizmente, não seja certo). Mas o fato é que é bom vislumbrar o fim assim, de longe. E nesse ínterim sentir a possibilidade de uma vida. E perceber que, por fim, suas mãos não tremem mais.