Esse é um texto que escrevi há alguns meses... não sei exatamente quando. Hoje estava olhando os meus arquivos e o encontrei. Me pareceu bonito. Taí.
Talvez o que mais me constrangesse nela fosse aquele sentimento de vergonha por ser infeliz, que eu notava em tantos dos seu gestos. E eu, que da fraqueza aprendi a tirar alguma ternura, tocava seus cabelos como quem acariciava uma doente terminal. Aquela vida escapando por entre os próprios dedos, aquele tempo selvagem e impiedoso. E eu pensava comigo que cabelos castanhos permanecem castanhos mesmo quando de nós sobram apenas os ossos.
Às vezes, quando eu chegava do trabalho antes dela, me sentava numa poltrona antiga que compramos juntos no começo, e me colocava exatamente na direção da porta. Queria que eu fosse a primeira coisa que ela visse, que meus olhos a pegassem desprevinida. Só assim ela me deixaria por a mão onde doía. E então eu estendia meus dedos, tocava aquela dor já tão antiga, e tudo permanecia igual. Apenas um ligeiro consolo se insinuava no ar. A esperança remota de uma vida ou de uma morte serena. Porque quem pode devolver à uma menina como aquela uma vida q se esvai assim? Quem pode curar alguém de um cansaço tão grande, desfazendo histórias, contando-as de uma maneira nova, que não doa tanto, que torne os braços mais leves? E se você é alguém que não acredita na idéia de vencer a si mesmo.. bem, aí é qvc não pode fazer outra coisa senão olhar aquilo tudo com uma tristeza que de tão grande te protege de todas as outras, porque te entorpece.
Acabava por me pegar com os meus pensamentos em Jesus. Pensando que aquilo tudo, aquela promessa enorme, aquele gesto intenso de quem diz “levanta e anda!", que aquilo tudo tinha de ser verdade, ou que Deus, de alguma forma, tinha de ser verdade. Para que não fosse verdade a obscenidade de uma menina como aquela, a lançar de joelhos suas preces rumo à um céu vazio. Para que não houvesse sempre aquela voz trêmula e aquele olhar cansado, de quem se desculpa porque vai morrer.