23 fevereiro 2006

Eu não devia postar isso aqui. Eu sei que é trapacear com a solidão (essa solidão boa). Mas poucas coisas me angustiam tanto quanto um prazer estético não compartilhado. Preciso por pra fora.

Enfim, às vezes acontece de eu ouvir uma música umas 100 vezes no mesmo dia. Hoje isso aconteceu com uma música do saudoso Sunny Day Real Estate. Eu ouço e dou um sorriso como se tivesse visto a coisa mais linda do mundo. Certa vez eu disse que era uma jovem senil, de olhos cansados e mãos trêmulas (sim, os tremores se foram). E que havia um sorriso, quando eu sentia a vida como uma imensa possibilidade, que era a coisa mais bonita que havia em mim. Pois bem. É esse sorriso que essa música desperta em mim. A canção se chama Guitar and Video Games, do álbum, How It Feels To Be Something On. O disco é todo lindo, mas essa, a faixa título e Days Were Golden são de matar. A letra:

how is it you feel?
I remember you at the top of my room
all these things we wondered how to hide
see how it works when
all the day long in a bottle of mud
all these fears we wondered how to hide our love

how is it you feel when you run?
ships won't come in in a bottle of mud
all this time looking for love and
you want to find peace
but you find me

mandrary fields where we run
see how it works with a bottle of rum
all this time hiding from death
and we want to be strong
but we find the true story
a tale
writing itself as we sail
a story
a tale
writing itself as we wail
oh no

never again my dear
shall we come dancing here
we'll play guitar and video games

what if we refused to follow the rules of fashion?
tell me something you'd tell a fool
ways to refuse to follow the rules of fashion

how is it you feel when?
remember you in the top of my room
all these things remade me and caused
to be something grand

never again shall we
come dancing in the sea
we'll play guitar for a new
we'll play guitar and video games

A segunda estrofe é particularmente bela. E a Priscilla tem o descaramento de me dizer que achou a música meio barulhenta! Um infinito de melodia fazendo plim-plim na alma. É que a Priscilla tem ouvidos de porcelana. A Priscilla é feita de porcelana.


22 fevereiro 2006

eu falei que ela se levantaria.

Vai saber que demônio se apossou daquele corpo e o lançou, a passos largos, escada a baixo, dois, três degraus por vez, até se precipitar na rua, numa chuva torrencial. Sob o céu rosado de uma noite recém-chegado, lavando o gosto de whisky com a água da chuva, o cigarro se apagando em sua mão. Era como se o mundo fosse se acabar naquela chuva, como se até a terra sob aquele asfalto tão inexplicavelmente amado sorvesse aliviada aquela água por tantas décadas postergada. Porque isso é preciso dizer: há chuvas que não chegam nunca.
Num fôlego profundo levou o queixo até o peito e mordeu de leve o lábio inferior. A vida estava toda ali: revelada. Aquele amontoado de lacunas, aquela inquietude perene, e a calma que brota da resignação diante de uma vida sempre incompleta. Dali vinha força, por mais estranho que parecesse.
Olhou pro céu um instante, os olhos entre-abertos, se protegendo dos pingos ininteruptos, e pensou: Deus, como estou molhada. Devagar voltou para o hall do prédio e chamou o elevador.

21 fevereiro 2006

Tô de volta. Férias na casa da mamãe. Muito iogurte, comida de primeira, redução drástica dos cigarros, aquela devoção materna que nem me constrange mais (ela ama demais, aquela mulher, jesus!) um bocado de literatura (enfim Thomas Mann, A Montanha Mágica) e um retorno a Nietzsche, que deve culminar num artigo nos próximos dias (pra consolidar de vez minha opinião de que toda aquela iconoclastia está a serviço de um conservadorismo radical, nada do grande libertário que alguns dos meus colegas anarquistas vêem).

A semana ficou marcada pela absolvição do coronel (acho q era coronel) que ordenou a invasão do Carandiru quando do massacre. A sentença rezava que ele agiu cumprindo ordens, portanto deveria ser inocentado. Assim, sem o menor constrangimento, na cara dura mesmo. Eles não precisavam se preocupar em apresentar desculpas bem pensadas, pq sabiam que contariam de ante-mão com o conservadorismo de certos setores da sociedade que repete salivante e com "sede de justiça" que "bandido bom é bandido morto".


No mais, tenho me sentido tanto mais honesto quanto menos me movo. Há um sorriso calmo nisso. Uma resignação reconciliadora. Aqui, ninguém está dançando, e está tudo muitísismo bem.

08 fevereiro 2006

Faz um punhado de dias que não escrevo aqui. É que eu andei muito ocupado com a monografia. E depois de mais de 2 semanas revisando leituras e escrevendo até oito horas diárias, foi com imenso alívio que entreguei uma cópia pro orientador, outra pra arguidora e soube a data da defesa. Sexta-feira, 8:30 da manhã, no FCHF-UFG.

O processo de redação foi meio corrido, cansativo, o branco do word ferindo os olhos, o garimpo dos meus livros rabiscados em busca da citação certa etc etc etc.. mas gostei do resultado. Acho que foi um bom balanço desse um ano e meio estudando Walter Benjamin. Agora é ver o q a banca vai achar.

Durante a redação pensei muito numa questão que sempre pula cabeluda na minha frente: o que significa exatamente a escolha de uma vida intelectual, do ponto de vista profissional e existencial? Olhar o mundo através das lentes da literatura e das artes em geral é uma coisa. E mesmo a filosofia e a história se prestam a olhares diletantes. Mas escolher ambas como um olhar que é, inevitavelmente, um olhar sobre a existência e, ao mesmo tempo, uma perspectiva profissional, bem, aí é outra coisa. Trata-se de algo que suscita questões que ainda estou começando a tocar. Isso pq a imagem do "intetelectual de gabinete", que produz texto após texto sem uma real conexão de espírito com a vida, me causa horror. Mas como não compartilho do pessimismo de muitos colegas a respeito da vida acadêmica (aquele olhar negativista que não consegue ver na universidade outra coisa que não uma instituição opressora calcada em princípios hierárquicos etc etc etc) não me furtei aos caminhos do saber instituicionalizado (o mestrado começa em março).

É que acredito sinceramente que a teoria, a vida intelectual institucionalizada (a universidade) contêm um horizonte criativo, lúdico mesmo, que pode ser imensamente enriquecedor, apesar de toda a merda que nós já conhecemos, burocracia, jogo de favores, rixas idiotas etc etc etc
As relações entre essas esferas, entre História, Filosofia, as artes em geral e a nossa vivência cotidiana é o que me causa mais interrogações. Sobre isso tenho várias perguntas que poderiam, se resumir, grosso modo, naquela que é um imenso clichê e que ainda suscita debates interessantíssimos: o que é ser um intelectual hoje?
E mais: o que é ser um intelectual em formação? rs Estou sondando as raízes que esse tipo de olhar tem no chão da vida.

No mais ando cada vez mais calado e distante. E de saco cheio de msn e orkut.

ps: o termo "intelectual" é tomado muitas vezes de forma pejorativa em ambientes não acadêmicos (e até na universidade!). Aqui usei-o pra referir-me ao tipo de pessoa que, em certa medida, olha pra vida através das lentes das humanidades, quase sempre vinculado profissionalmente a alguma instituição de ensino superior.